terça-feira, 3 de agosto de 2010

A culpa não é do professor

Até quando irá o faz de conta que permeia a educação pública?
Até quando as autoridades irão justificar o fracasso da escola pública através do despreparo do professor?
Quando o professor deixará de ser o bode expiatório das mazelas da sociedade?

Quem é profissional da educação sabe que a escola tem se tornado o refúgio aos problemas familiares. Crianças fruto de lares desestruturados, mal formados, que tem dia a dia se desintegrado. Crianças que vão à escola atrás de um prato de comida ou de um abrigo no qual estejam protegidas da violência que sofrem dentro de casa. Nas periferias o quadro é comum. Mães solteiras ou deixadas pelos maridos, trabalham fora para arcar sozinhas com o sustento de casa, enquanto seus filhos largados na rua sujeitos aos “maus ensinamentos”. Mães que sustentam vários filhos e maridos alcoólatras que as espancam e agridem os filhos. Vários irmãos num mesmo cômodo, filhos cada qual de um pai diferente. Mas essa triste realidade não é suficiente para justificar que a criança esteja triste e desanimada e que não consiga ir bem na escola. As autoridades não aceitam desculpas, ao menos quando são por parte dos profissionais que sentem de perto todo seu esforço ser em vão.

Desnutrição deixou de ser motivo ao não aprender, mesmo com fome ou com carência nutricional ao longo de suas fases de desenvolvimento, a criança consegue sair-se tão bem como as bem alimentadas... isso é o que dizem as autoridades. Sem falar daquelas que já trazem as influências nocivas do uso das drogas e da bebida alcoólica desde sua fecundação.

Pois bem, e quanto aos fatores afetivos que como é de conhecimento geral permeiam toda a ação cognitiva? Ah! Cabe ao professor garantir que o processo de ensino-aprendizagem seja um ato de amor, que a afetividade caminhe junto à aprendizagem. Isso sem dúvida é fundamental. Mas como acreditar que a criança que tem em si as marcas do descaso, da falta de amor muitas vezes desde o útero da mãe, não traga em si déficits em sua auto-estima que a impeçam de aprender de maneira significativa? As vivências da infância deixam marcas profundas para toda a vida.

O professor se depara com os problemas do aluno de ordem material e afetiva e lida com eles da melhor maneira que pode. Oferece carinho, compreensão, abrigo antes mesmo de conseguir terreno para oferecer o que é de fato sua tarefa, o conhecimento. Prepara aulas, diversifica métodos, muda estratégias, enfim, faz o que está ao seu alcance para ensinar. Mesmo assim é acusado de não estar conseguindo os resultados estabelecidos pelos superiores que fingem ignorar as mazelas da sociedade em que o professor está atuando.

E as vezes o próprio professor acaba por fortalecer a ideia de sua culpa, quando por exemplo diz que é por causa do baixo salário que recebe. Mas, se cursos de aperfeiçoamento custam caro, nem por isso o bom professor deixa de recorrer ao que pode para dar boas aulas e desempenhar bem o seu trabalho. Muitos especialistas na educação se aperfeiçoaram não para dar melhores aulas, mas para trabalhar às margens, fora das salas de aula, com melhores salários e sem as exigências incabíveis feitas aos professores.

Sejamos práticos: a educação vai mal, segundo os índices, temos um ótimo percentual de aprovação, obviamente, não se pode mais reprovar então os índices são ótimos mesmo. Por outro lado, estudos apontam alto número de analfabetos operacionais, que controvérsia!

A escola pública mais parece uma instituição de amparo social do que de fato um local específico para a aprendizagem. Tornou-se uma provedora que deve suprir as obrigações da família, resolver problemas de delinquência, recuperar jovens infratores que cumprem pena prestando serviços dentro da escola, dar assistência médica, entre outras e, por fim então, deve desempenhar seu papel, ensinar. Mas, o professor não pode se justificar dizendo a verdade; nos relatórios não é aceitável e de bom tom, que ele use termos como: aluno desinteressado; problemas de estrutura familiar; aluno com problemas psicológicos, etc. O problema deve ser considerado de âmbito puramente escolar.

Mas, o governo tem se esforçado... agora dedica-se a oferecer cursos rápidos sobre temas complexos como “dislexia”, “hiperatividade” e outros, a meia dúzia de professores ou coordenadores que tem a incumbência de reproduzir aos demais professores. E assim, espera que o professor esteja apto a diagnosticar os casos e intervir de maneira eficaz dentro da sala de aula. Neurologista, psicólogo, psicopedagogo, pediatra, psiquiatra, assistente social, e se der tempo... professor, por que não?

Estou me restringindo mais ao professor por ser dele que se espera e se cobra maiores resultados, mas os demais envolvidos na escola também sentem de perto as pressões e tentam da forma como podem dar amparo ao professor. A legislação não dá amparo algum, e de mãos atadas a bola de neve só cresce.

Para encerrar, pois o assunto é abrangente, pergunto: quando as autoridades vão suprir na escola a carência de profissionais voltados à saude mental que possam dar suporte aos professores a fim de que façam apenas, o que já é muito, sua parte, a de ensinar? De nada adiantam os cursos de fachada, investimento em recursos materiais, novas metodologias de ensino, tecnologia, programas que duram um verão conforme mudam os partidos políticos. Os professores precisam ter seu direito garantido, o de lecionar sem ter de se preocupar em diagnosticar, fazer encaminhamentos, orientar pais sobre as deficiências dos filhos. E nem estou aqui me referindo à inclusão, que é ainda mais um ponto dificultador para o trabalho do professor. Inclusão por inclusão, aluno dentro da escola, sem nenhum suporte ao professor... É isso o que temos!

Fonte:
http://www.uniblog.com.br/mentesaudavel/421473/a-culpa-nao-e-do-professor.html