“O educador usurpa uma função que é da família”
Armindo Moreira, professor e mestre em Filosofia pela Universidade Pontifícia de Salamanca, na Espanh é conhecedor de sistemas educacionais de diversos países, em especial na Europa.
O professor aposentado da Universidade Estadual do Oeste (Unioeste)
Armindo Moreira é categórico ao afirmar que a escola brasileira não é
nem pior nem melhor que as outras, mas igual. Porém, ele afirma que o
país tem grande potencial para evoluir pela riqueza cultural, pelas boas
relações humanas e pela vontade que o brasileiro tem de crescer e de se
desenvolver.
Ele defende métodos tradicionais de ensino e sugere
cautela no emprego de novas tecnologias, que, segundo ele, podem
banalizar conteúdos e formas essenciais ao aprendizado.
No
seu livro recém-lançado Professor não é educador, pela editora
Profeduc, o senhor afirma que existe hoje uma confusão entre educar e
instruir. Qual é a diferença?
A confusão em torno do real significado desses dois termos faz com que muitos pais atribuam aos professores as duas funções?
Certamente, e um dos males da sociedade advém desta confusão, que vem
do início do século 20. No tempo dos governos totalitários, os
ditadores gostaram muito da ideia de confundir instrução com educação,
porque assim, por meio dos ministérios da Educação, educavam o povo e a
sua ‘carneirada’ votante. Antes do século 20, não existiam ministérios
da Educação, apenas ministérios de Instrução. Essa confusão entre
educação e instrução favorecia as ditaduras: nas escolas, os
professores, que eram funcionários públicos, faziam a cabeça do povo
educando. É daí que surge essa confusão, com os professores passando a
também educar, usurpando uma das funções sagradas da família. Esse
modelo permaneceu até hoje e continuará por muito tempo, porque não
custa nada e é simpático ser educador. Para isso não é necessário curso
algum, não precisa de diploma e todo professor torna-se educador, de
qualquer disciplina.
Como se dá isso no dia a dia? É algo específico do Brasil?
Isso não acontece apenas aqui, mas em todo o mundo. E é algo muito
cômodo. Se o professor não preparou a lição do dia, o que ele vai fazer?
Vai educar, dar alguns conselhos. Isso lhe dá uma aura, até maior que a
dos pais, que acabam desautorizados. Hoje estamos vivendo as
consequências dessa confusão toda. Nosso povo, no geral, não é instruído
nem educado. E se isso acontece, mesmo com bons professores: a relação
entre instrução e educação é desproporcional: passa-se mais tempo
educando que instruindo.
De que forma é possível mudar isso?
O primeiro passo é ter profissionais preparados para cada função. O
professor hoje é tudo: diretor, pedagogo, administrador. Nossas escolas
estão arruinadas e não é só por falta de dinheiro. Um professor não é
preparado para lidar com dinheiro. Um diretor não tem noção, por
exemplo, de como se deve fazer a manutenção de um prédio. Em todas as
áreas são exigidas pessoas qualificadas, mas na educação isso não
acontece. Administrar, lidar com dinheiro e promover obras não é função
do professor. Ele ensina, ele educa, ele administra... Está na hora de
não mais atribuir ao professor tarefas que ele não pode cumprir.
E as novas tecnologias empregadas ao ensino? Elas ajudam ou atrapalham o cotidiano da sala de aula?
Uma imagem vista muitas vezes é gravada para a vida toda. Pendurar
mapas na parede, por exemplo, é uma forma simples e eficaz de ensinar.
Saber a ordem alfabética é essencial. Muitos alunos e até adultos não
costumam usar o dicionário porque não sabem manusear. Não custa nada
decorar o alfabeto, algo tão simples e necessário. Empregar a tecnologia
sobre um método já deficiente não melhora, pelo contrário, piora ainda
mais o que vem há tempos sendo feito errado. É a didática que precisa
ser corrigida. A tecnologia é o emprego de técnicas para se aprender
mais rápido e melhor.
O mesmo acontece com as simplificações?
Algumas simplificações ajudam, outras atrapalham o aprendizado.
Simplificar é para quando já se sabe. As simplificações que condeno são
aquelas que substituem o verdadeiro nome das coisas. Por exemplo, acento
circunflexo não é ‘chapeuzinho’. Acento para trás e acento para frente
também não existe, é acento grave e acento agudo. Essas são
simplificações que só causam confusão e não ajudam em nada.
O senhor condena o que diz ser um uso equivocado do termo
‘criatividade’, que, como classifica, não passa de marketing
editorial...
Tudo o que aprendemos ajuda a criatividade. Quanto mais ideias, mais
criativo eu sou. Quando mais imagens eu tenho, mais criativo eu sou. A
criatividade depende da quantidade de conhecimento a que se tem acesso.
Ou seja, todo livro que traz novidades é criativo. Isso não se mede pela
quantidade de cores ou tinta empregada. Usa-se exageradamente o termo
criatividade apenas com o único intuito de vender mais livros. Isso não
quer dizer que não sejam bons, apenas que não é possível qualificar um
livro pelo grau de criatividade que ele oferece, isso depende muito mais
de quem vai lê-lo.
Os currículos também são objeto da sua crítica, algo que
precisa ter a atenção devida dentro do processo de aprendizagem. Como
seria o currículo ideal?
Cada município, por meio da sua Secretaria de Educação, faz seu
currículo. Não existe um padrão. Defendo um currículo universal e
duradouro. Livro bom é feito para currículos pensados para dez ou 15
anos, algo que se estenda por toda a sua vida de estudante. Um bom autor
pensa em um livro não para dois, três anos. Isso não significa que não
exista espaço para melhorias e adaptações, mas a base precisa ser
mantida.
(Publicado em 08/08/2012 | Fabiula Wurmeister, da sucursal de Foz do Iguaçu - Gazeta do Povo)
Você acha que os professores extrapolam suas funções ou também cabe a eles desenvolver valores?