sábado, 14 de agosto de 2010

A ética do respeito na escola

Na verdade quem está semeando o desrespeito com os educadores são, em alguns casos, os pró­­prios educadores, por não mostrarem aos seus pupilos a importância da formação in­­tegral e da aquisição das virtudes



As férias escolares estão terminando, as aulas recomeçando e o sadio desejo de aprender renasce em quase todo aluno. Para os professores mais jovens, é bem possível que o ideal de ensinar seja uma motivação que os leve a arregaçar as mangas e enfrentar os grandes desafios de educar. No caso dos mais vividos, é comum que os desgastes e experiências negativas do caminho percorrido já não lhes permitam tantas ilusões como aos mais novos, e que o novo período letivo se transforme em mais um ano que os aproxima da sonhada aposentadoria.

Tentando compreender esse atual e triste fenômeno educacional, algumas hipóteses costumam aparecer nos debates entre educadores: desorientação social acerca do papel da escola, desprestígio da profissão docente, desvalorização governamental da carreira com políticas públicas de intenções mais ideológicas do que educacionais, despreparo das famílias para educar e a consequente transferência dessa responsabilidade para a escola ou, o que é pior, para os meios de comunicação, que nem sempre são dignos desse serviço público.

Como também educador e pesquisador, gostaria de ir mais longe nesse olhar investigativo e levantar outra hipótese: será que o professor atualmente é visto pelos alunos em sala de aula como era antigamente? Sou da opinião de que a falta de prestígio do professor não é somente econômico e social, mas também ético.

Quando a escola era realmente uma escola, os pais matriculavam os filhos num centro educativo porque acreditavam que ele não só iria ensinar-lhes a “matéria”, mas formá-los integralmente para a vida. Esperavam dos professores, além do conteúdo específico da disciplina, uma contribuição ética que reforçasse o que os próprios pais transmitiam no seio familiar. Os mestres eram modelos positivos de virtudes, de valores e, portanto, pontos de referência para as escolhas dos jovens. Hoje a criança é orientada a ir à escola não mais com essa intenção, mas, na melhor das hipóteses, para adquirir apenas um conhecimento que lhe sirva para galgar melhores patamares acadêmicos e profissionais. Logo, o papel do professor se empobreceu significativamente. Ele acabou se tornando quase que uma “máquina” que deve ensinar uma série de conteúdos de forma lúdica, atraente e sem exigir esforço. Se sua aula não for tão animada quanto o computador das crianças, com o tempo o aluno ou o desprezará ou o suportará como um “alguém”.

Essa ignorância ou desprezo pela ética das virtudes e dos valores é uma raiz venenosíssima que está matando a educação, gerando o relativismo moral em que vivemos. Por sua vez, essa desordem filosófica, na qual não existe mais o certo e errado, é o que está produzindo o desrespeito dos jovens. Segundo Ricoeur, “o respeito à dignidade do outro só é possível a partir de um autorrespeito. E este só existe em cada ser humano quando ele percebe que tem valor em si”. Efetivamente, quem convive habitualmente em qualquer ambiente escolar percebe a existência de um alarmante paralelismo entre esse distanciamento da prática das virtudes e a violência escolar.

Parece ficar claro, portanto, que na verdade quem está semeando o desrespeito com os educadores são, em alguns casos, os próprios educadores, por não mostrarem aos seus pupilos a importância da formação integral e da aquisição das virtudes. Alguns com medo de exercer a boa autoridade e outros por um disfarçado egoísmo em não querer corrigir os filhos/alunos. Ambos, ao se omitirem na grave responsabilidade de ensinar o caminho do bem e da felicidade, não percebem que poderão estar criando futuros “exterminadores” de si mesmos.

Toda criança tem uma inclinação para fazer coisas erradas e ter atitudes pouco éticas. Em parte, isso é o que todo educador deve esperar. Mas a criança deve encontrar alguém que sempre lhe diga, com força e decisão, que isso está mal. O que parece inadmissível é que muitos pais e professores fiquem indiferentes diante dessas atitudes pouco éticas, pensando que são comportamentos normais, ou que permitir tais atitudes demonstraria que se é tolerante, moderno ou até amigo. Quando os pais valorizam excessiva ou injustamente os filhos com prêmios ou elogios, estão mentindo para eles e tornando-os falsos.

Concluímos que os pais e as escolas têm que se preocupar mais com a verdadeira ética do respeito, que é ensinar a valorizar-se para valorizar os outros. Ensinar os jovens a se valorizarem mais com os bens internos (MacIntyre), que são as virtudes, do que com os externos. Só é possível valorizar-se quando se aprende a autoconhecer-se. Quando se reflete sobre as ações e se vê com objetividade a bondade e beleza que elas têm. Torcemos para que as escolas não só promovam esse trabalho entre os alunos, mas (re)descubram que é para isto que existem.


João Malheiro, doutor em Educação pela UFRJ. Blog: escoladesagres.org
08/02/2010


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